Bolinhas de Gude -
São bonitinhas, parceiras, amigas de longa data, desde o tempo que não tinham sequer uma marquinha
de choques homéricos em divertidas partidas nos círculos e triângulos no areião das calçadas ou dos campinhos
adjacentes onde os meninos brincavam, relaxados e seguros, ralando os joelhos nos pedriscos. São de vidro,
antigamente muito bem polidas, brilhantes, um mimo, uma verde com pequenas manchas brancas bem espalhadas,
outra azul, um azul antigamente escuro, mas hoje devido as marcas de tantas batalhas, já perderam tanto o brilho,
quanto a cor forte, já passaram por muitas mãos, diversos donos, alguns cuidadosos que até banho lhes deram,
outros com mais desapego, colocavam-nas numa sacolinha e as sacudiam, fazendo com que batessem umas
contra as outras avivando ainda mais as feridas ainda frescas das batalhas vespertinas sob o sol escaldante.
Nem sempre moram na mesma sacola, as vezes separam-se, cada uma com novo dono, mas sempre
guardaram muito carinho pela companheira, enfrentaram-se muitas vezes, com respeito de dois contendores
experientes, sem rancor, apenas enfrentam-se, nestas batalhas nem sempre um vencedor existe, mas sempre
os choques destes corpos vítreos deixam marcas, marcas de uma pancada mais forte, arrancando pedaços
maiores ou menores conforme o ângulo; já houve casos de colegas chegarem a ser repartidas ao meio por uma
pancada mais forte, e, não há minuto de silêncio, honras fúnebres ou mesmo um pequeno luto, só lembranças
de quando de volta ao saquinho para serem guardadas, aquela conversa de : "você viu? pegou assim, de lado,
não tinha como escapar, foi coincidência, tudo errado, o jeito, o angulo a força, ..coitada...
São bolinhas de gude, já andaram até na boca de criancinhas menores, teve uma, branquinha que
até foi engolida, ficou um tempo exposta para lembrar e servir de exemplo, depois reintegrada a tropa, até apelido
ganhou. Mas com ou sem apelido serviu de exemplo para todas as crianças menores e de ameaça dos mais velhos,
de que não mexam na sacola das bolinhas pois a mocinha do apelido esta aí dentro e não vão querer colocar a mão
numa bolinha que andou por onde ela andou, quanto mais colocar na boca.
Saudades das bolinhas de gude, dos joelhos arranhados e cascudos, limpos á força de fortes e firmes
esfregadas de pedras pome, de muita reclamação das mães e mais ainda choramingos infindáveis, das tardes
reunidos com amiguinhos de mais ou menos a mesma idade, (sempre tinha um grandão, com o apelido infalível de
Miudinho), a Turma, dos jogos ferrenhos e disputadíssimos, empolgados ás vezes tão imbuidos que surgiam alguns
palavrões; quando o chamamento a plenos pulmões das Mamães, para o banho, sinal que os combates do dia
estavam encerrados, as bolinhas colocadas novamente nos saquinhos, apertadas, tentariam descansar e recompor-se
até o próximo dia.
As batalhas diárias continuariam dias seguidos até o dia que outra "moda" faria com que guardadas
caixa, no galpão, jogadas num canto qualquer, desprezadas, elas que tantos embates e tantas caras feias e
xingamentos fizeram vir à tona, ficariam esquecidas, e quem sabe com sorte as amiguinhas, bolinhas de gude
poderão conversar,relembrar batalhas, consolar-se mutuamente, até o ano que vem, após a moda dos peões, pipas, estilingues, e
muitas outras brincadeiras infantis passarem cada uma a seu tempo, sem uma ordem; aleatoriamente.
E elas, as bolinhas, marcadas pelos golpes, receberão colegas novinhas que farão as vezes de
preferidas, bem é assim mesmo todas sabem; vamos a luta.
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